MINHA TRAJETÓRIA NA ARTE
Uma “nova fase” iniciava-se, no momento em que misturei algumas tintas, pela primeira vez. E o sentimento que predominou neste momento de “nascimento” foi de uma felicidade indescritível. Fui tomado, também, por uma raiva que não sabia explicar ao certo, só conseguindo entender algum tempo mais tarde. Foram muitas as tentativas na busca de determinadas cores. Até que, acometido de um sentimento de derrota, convenci-me de que nem tudo estava ao meu alcance; nem todas as cores de que gostava eram passíveis de imitação. Em mim, existia também uma espécie de barreira que não permitia a “presença” de algumas delas. Sendo assim, iniciava prolongadas sobreposições de cores, cada vez mais escuras, muitas vezes não sobrando ponto algum, com tais coloridos, em minhas telas.
Diante, então, desses fatos, foi que comecei a compreender a “rapidez” com a qual ingressei nas artes plásticas (na verdade, eu fui “sugado” para dentro): afinal de contas, descobria ser constituído de cores.
Além de não me parecer ter fim, o mundo das cores, não me deixava um minuto sequer de descanso. Tomava conta de todas as minhas idéias, não deixando espaço para frases, onde não houvesse algo relacionado a cores.
Isto tudo, às vezes, deixava-me “louco”, transformava-me, passando então de uma “realidade em preto e branco” (inconscientemente), para um tipo de realidade, na qual estas duas cores atravessavam o “prisma da arte”, dividindo-se em todas as cores conhecidas e desconhecidas. A partir dessas divisões, cada gesto, cada palavra, cada sentimento, tudo apresentava uma cor que o representava. Mas não parava por aí! A diferença, na sobreposição das cores, levava a uma diferenciação de planos.
Deslumbrei-me com essa “brincadeira” das cores, sobre minhas telas; foi então, neste sentido, que meu trabalho continuou a desenvolver-se (começava aí uma tendência para o tridimensional).
Uma outra fase – em que predominava o trabalho com as texturas – fase teve início no momento em que achei uma lata de massa corrida, num tonel de entulhos, na rua. Foi, então, a partir do primeiro trabalho que passei a dedicar-me, pura e exclusivamente, a expressar, através de texturas, o que comigo se passava no momento, assim como o que me enchera de desejo ao observar, anteriormente, em trabalhos de outros artistas, mas que não me era possível na época, uma primeira tentativa, já que não dispunha de material.
Comecei, então, a adentrar-me no universo das texturas, não esquecendo meu “compromisso” com as cores. Confesso, não foram nada fáceis as minhas associações de textura com as diferenças de planos que as próprias cores desempenhavam em meus trabalhos.
Não foi fácil partir, então, do bidimensional para iniciar-me no tridimensional (apesar da minha obra, desde o início, apresentar essa “tendência tridimensional”).
Mesmo com dificuldades, eu tinha uma obrigação, tanto com a arte como com a vida, que não deixava que me acomodasse (desprovido de tentativas). Tinha de viver “essa nova fase”.
Foi então que comecei a me conscientizar de que precisava saber se realmente era a minha obra que estava transformando a minha vida ou se o que se passava na minha vida estava transformando a minha obra. Assim como o que eu fazia ganhava mais uma dimensão, minha vida ganhava novas dimensões.
Surgiu, então, um “profundo” e “pesado” questionamento: o que predominava como o principal regente; a vida sobre as transformações no meu trabalho, ou o meu trabalho sobre algumas das transformações em minha vida?
Após ter compreendido que na arte, é essencial que não se pare de tentar, passei então, a reservar, pelo menos duas horas, todos os dias, para mexer nos meus trabalhos, sempre almejando novidades. Com essa ininterrupta “pesquisa”, o material que eu utilizava foi acabando.
Passei, então, a usar novas matérias-primas, surgindo, assim, uma nova fase em minha vida como artista: a fase das colagens.
Iniciei um processo de aproveitamento de tudo aquilo que ia encontrando (faixas de rua, arame, madeira, ferro, panos...). Tornei-me, então, um verdadeiro catador de lixo.
Assim, ia transformando, às vezes com sucesso, esse material em objeto de arte.
Ia “colando” em minhas telas cores que havia desejado alcançar, há algum tempo atrás, através da mistura de tintas. A partir das colagens, também, foi possível atingir texturas que não eram passíveis de obter, trabalhando apenas com massa corrida.
Depois dessas duas “conquistas”, pude, concluir que essa fase era uma espécie de colagem das fases anteriores, em minha vida artística. Isto fez com que tudo que conhecia colidisse entre si, permitindo-me aproveitar, separadamente, um pouco de tudo. Desses choques surgiram novos e belos trabalhos.
Não foi, somente, o belo que se apresentou em minha obra, também o feio, que sobressaia como emoção que consegui transmitir.
É interessante o fato de poder mostrar o que está dentro de mim, através de objetos, que um dia, pertenceram a alguém de quem não tenho nenhuma referência. Alguém que nem conheço... Mesmo assim, esses objetos terminam por se tornarem pedaços de mim sobre as telas. Transformam-se em palavras, poemas e, até, em minha voz.